quarta-feira, 15 de maio de 2013

O início

Dr. Ribamar Nonato de Souza tinha levado uma série de trabalhos para fazer em casa no fim-de-semana, como sempre acontecia ultimamente. Estava sentado na cadeira de couro do seu escritório, olhando para os raios de sol da manhã que entravam pelas frestas das persianas. Enquanto olhava para a poeira em suspensão que flutuava no ar, meditava e tentava responder as perguntas que ainda vinham a sua mente, apesar de vários anos como auditor de uma operadora de seguros e planos de saúde.

Quanto vale uma vida? Qual é o preço de viver?
.........................................................................................................................
.........................................................................................................................
A pasta aberta na sua frente sobre a mesa continha a solicitação de um segurado com carcinoma renal metástico, cuja melhor chance de sobrevida era passar a tomar um remédio de última geração desenvolvido por uma grande multinacional do setor farmacêutico...
...........................................................................................................................
No histórico anexo, levantado no computador da empresa, constava que o segurado já havia feito uma cirurgia para retirada do rim direito há uns sete anos atrás. Agora, segundo atestado do oncologista do segurado, o câncer tinha rescindido no outro rim, apresentando metástase no pâncreas e pulmão. Era um caso sério e difícil, havendo poucas chances dele alcançar uma sobrevida superior há oito ou nove meses, mesmo com a administração do remédio. O mais provável é que não chegasse a tanto, diante do segurado estar no Estádio IV da doença.

- Mas nunca se sabe - pensou em voz alta. Nunca se sabe...
...........................................................................................................................
...........................................................................................................................
Saindo do devaneio em que se encontrava Ribamar voltou sua atenção para a pasta na sua frente. Na realidade já sabia antecipadamente qual seria o resultado de sua análise, apenas considerando o valor do tratamento do segurado. Precisava achar apenas uma “brecha” no contrato que permitisse justificar sua decisão, se bem que na maioria das vezes não se dava ao trabalho de fornecer uma justificativa. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) só exigia justificativa quando o segurado entrava com uma queixa na própria ANS.
...........................................................................................................................
...........................................................................................................................
O papel de Deus dava a Ribamar uma sensação de poder. Ele não se considerava um Deus, mas uma espécie de juiz supremo, pois como católico, seria uma blasfêmia se comparar ao Todo Poderoso. Certa vez, no início da carreira como “juiz” (termo mais adequado para o que fazia), esta sensação de poder foi tão forte, que saiu correndo atrás da Dolores (sua mulher) e a possuiu brutalmente sem preliminares.

Nenhum comentário:

Postar um comentário